11.20.2004

A folha das horas

Um profissional liberal. É isso que eu de momento sou. Gosto do nome, mas a situação podia em si ser melhor. Pois bem, um dos ossos do ofício de um profissional liberal, (ou ainda melhor, em inglês: de um 'freelancer'), é fazer a sua folha de horas. É basicamente uma folha de cálculo feita em Excel, onde determinamos o que achamos que nos devem pagar, preenchendo nos espacinhos de cada dia, as horas que passámos a trabalhar. Faz-me lembrar quando na escola havia aquela coisa da auto-avaliação. Aqueles momentos em que os alunos exercitavam a sua moral, e se continham perante a possibilidade de inventar ali as maiores barbaridades sobre si próprios, numa tentativa desesperada de sensibilizar os professores e subir a nota. Eram muitos os que não faziam o exercício da maneira esperada. Agora que me lembro, alguns desses até me parecia que conseguiam sucesso no falhanço. Eu nunca consegui. Logo eu que não tinha jeito para isto, logo eu fui tornar-me num profissional liberal. Gosto mais do nome 'freelancer'.

11.16.2004

Excerto número um

"...ficava nervoso só de pensar nisso. Não era a primeira vez que ele o fazia mas há algum tempo que ele não caminhava aquela milha extra por ela. Afinal, já tinha corrido maratonas e até mesmo chegado em primeiro, mas nunca tinha visto o pódio. Andava há algum tempo a tentar distrair-se do facto de que estava sozinho. Sentia-se capaz de fazer pelo trabalho coisas que agora nunca faria por amor. Talvez porque o trabalho nunca o decepcionava, nunca o recusava, nunca o fazia sentir-se mal. Tinha encontrado agora uma amante que o envolvia completamente. Em conversas, almoços, noitadas, promessas, (até em sonhos), e ainda cuidava dele recompensando-o financeiramente ao fim do mês. Deus reprova a prostituição, mas talvez não se importasse com esta relação platónica..."

11.14.2004

o Capítulo Piegas

Foi na quinta-feira, que eu, de fatinho bonito e sapato a condizer, fiz o mesmo percurso que era o de sempre. A linha de Sintra em todo o seu esplendor só pode ser observada de dentro pra fora, de dentro de um comboio, para fora dali. Imaginava-me então diferente, como se tivesse crescido entre os carris, e tivesse andado com aquelas pedras no bolso. Como se os meus berlindes lá estivessem perdidos e aquelas tábuas de madeira fossem onde eu jogava à "macaca". Ali e agora, já feito um homenzinho, era o momento em que a lagarta passava a borboleta. E a linha de Sintra que me tinha feito crescer, no meio de multidões apertadas, jovens desviados, bêbados malcheirosos, adolescentes depravadas, mórmons atarantados, músicos saltimbancos, velhinhas rezadoras, e tantas paixões de olhar... agora, como um casulo desfeito, olhava-me ela a mim, e eu sentia a aprovação de uma mãe pobre mas carinhosa que, apesar das dificuldades, tinha conseguido fazer parte do meu crescimento, (embora eu ainda não consiga determinar ao certo as consequências disso). O que importava era que aquela linha de Sintra tinha finalmente deixado de ser uma linha no horizonte. Eu tinha ultrapassado a estação terminal.

11.09.2004

Constipação e a terra prometida

Seguia pela IC19 a tentar frustrar a constipação cantando as músicas antigas que passavam na rádio. O final de mais um dia revelava-se na total obstrução das minhas narinas cheias de líquido mucoso. Mesmo assim eu conduzia com a velocidade do marinheiro heterossexual que acabou de chegar do alto mar. A minha mulher? Um prato de sopa quente para separar as águas e limpar o percurso do ar até à terra prometida. Antes da sopa, ainda antes de chegar a casa, o telemóvel tocava, fazendo-me lembrar que a escravidão sob o muco estava longe de acabar. "Estou sim?" - cometo uma ilegalidade, mas esforço-me para atenuar. "Estou a conduzir podes ligar-me daqui a uns dez minutos?". Era o meu patrão. E voltou a ligar: "Tiago, soube que a formação está a correr bem, na quinta-feira queremos-te já na seguradora." Pouco depois desligámos o telefone. Eu ainda não tinha chegado a casa mas por um momento deixei de pensar nos meus pulmões e no ar que tentava entrar, e pensei: a minha terra prometida.

O Dia 1 - Tarde

"Epá, não consigo ler aqui!" - 'O executivo' tinha aproveitado o facto de ter acabado de almoçar mais cedo que os restantes colegas para ir comprar o DN, e tentava ler a parte dos negócios, para a qual um dos bosses da empresa tinha dado uma entrevista sobre a expansão para o mercado americano e outros blá-blá-blas mais: "Boston, California? Ahah! Ouviste esta? Boston, California! E ainda falamos nós da carolice dos americanos!". Enquanto esperávamos que 'o director' tirasse o carro do lugar apertado onde estava estacionado, aquele ar do estacionamento subterrâneo distraía-me do esforço que 'o executivo' fazia para ler o jornal na penumbra de cave de centro comercial. Ironicamente, o centro chamava-se Central Park e assim acabo de fazer referência num só capítulo, a três estados norte-americanos. Já agora senhor jornalista do DN, Boston fica em Massachusetts.

11.08.2004

O Dia 1 - Manhã

"Ricard... ahn, Tiago. Almoças?" - A hora de almoço tinha chegado, e eu estava contente. A minha primeira manhã de trabalho tinha corrido bem. Estava a conseguir dominar os conceitos da ferramenta de desenvolvimento onde estava a ser formado, e os poucos elementos do escritório que me dirigiram a palavra eram simpáticos. Havia o director, e por um dia me terem dito que a cada pessoa se poderia associar a um animal, eu diria que o director era assim um hamster contentinho. Havia um outro que também era executivo, talvez esse fosse um gnu. Havia ainda a rapariga que me assistia na formação... e acho que afinal já não concordo com quem disse aquilo das associações com animais, porque não consigo lembrar-me de nenhum animal para ela. A tarde prometia...

11.06.2004

O último fim-de-semana

Acontece-nos poucas vezes. Acordei a pensar que é a última vez que vou viver aquele momento rotineiro. Não nos sentimos nem mais tristes nem mais alegres, simplesmente é como se deixássemos cair uma caneta no chão enquanto estamos ocupados a escrever alguma coisa, e ao baixarmo-nos para a apanhar, nos lembrássemos que temos que ir buscar o casaco à lavandaria logo à tarde. Hoje acordei assim. Este, é o meu último fim-de-semana antes de entrar no mundo do trabalho. Esperemos que este, seja também o meu último fim-de-semana como desempregado.

11.05.2004

Um dia importante

"O grupinho da igreja que se formou para ir participar no projecto da Bíblia Manuscrita andava a burbulhar com já alguma intensidade. Afinal, éramos voluntários no, provavelmente, melhor projecto nacional de divulgação da Bíblia, e ainda iríamos ter a possibilidade de conhecer uma série de personalidades importantes, olhem, como o presidente! A gala de abertura aproximava-se, e iria ser transmitida na televisão. Na Dois claro, até ficava mal se fosse noutra estação, e ninguém parecia importar-se muito com isso. Eu, tinha urgentemente de ir cortar o cabelo."

11.04.2004

Mãos frias e pingo no nariz

e mesmo assim, só me apetece estar na praia. Não é um dia particularmente melancólico nem triste, simplesmente reflicto sobre as perspectivas em termos de remuneração do meu primeiro emprego. Já o Lucas, quando começou a trabalhar, contava-nos à volta de uma mesa com gelados as horribilidades que advinham com os recibos verdes. Lembro-me dessas tardes em que a teoria era discutida entre piadas e gargalhadas e eu descansava-o com o cliché conclusivo da conformação "ao menos ganhas, não é?". Pois, ao menos ganhava... mas hoje ao olhar para aquele encolher de ombros que o Lucas fazia reagindo às minhas palavras, e baixando os olhos para o que eu vou ganhar após 18 anos de estudo, o discurso dele parece-me muito mais coerente. Contento-me em pensar que é apenas o primeiro emprego. É. Insisto em olhar para o horizonte.

Onde está o Outono?

Hoje é o dia mais parecido com um dia outonal desta semana. Talvez por isso tenha sido hoje que resolvi publicar este blog. Já me disseram que vivo obcecado com horizontes... talvez seja verdade.
Blog desenhado e mantido por Joca, membro dos Paletós - thesirm@hotmail.com